
Minha tia queimou meu rosto com água fervente. Agora sou eu quem a alimenta.

Rejoice tinha apenas oito anos quando sua vida mudou para sempre.
Sua mãe morreu ao dar à luz seu irmãozinho, e seu pai — um operário da construção civil sobrecarregado — não conseguia cuidar de um recém-nascido e de uma menininha. Então, ele tomou uma decisão dolorosa: levou o bebê consigo para a cidade e deixou Rejoice aos cuidados da irmã mais velha de sua falecida esposa.
“Será só por um tempo”, disse ele enquanto segurava sua mãozinha. “Você ficará com a irmã da sua mãe. Ela vai te tratar como se fosse sua própria filha.”
Mas a partir do momento em que Rejoice entrou naquela casa em Aba, sua vida se tornou um pesadelo.
Tia Monica era uma mulher amargurada. Seu marido a havia deixado por uma mulher mais jovem, e ela carregava essa raiva todos os dias. Seus dois filhos, Justin e Terry, viviam confortavelmente — escola particular, pão fresco, roupas limpas. Mas Rejoice dormia em uma esteira perto da cozinha, usava roupas rasgadas e usadas e só comia depois que todos os outros terminavam.
“Você se acha uma princesa?”, gritava Mônica, jogando água com sabão nela. “Você entra na minha casa agindo como uma dama?”
Rejoice lavava louça, carregava água, cozinhava, esfregava banheiros… e ainda assim levava tapas quase todos os dias. Mas ela nunca reclamava. À noite, ficava acordada, cochichando com sua falecida mãe.
“Mamãe, sinto sua falta. Por que você me abandonou?”
Na escola, ela era quieta, mas inteligente. Sua professora, a Sra. Grace, costumava lhe dizer: “Você tem um dom, Rejoice. Não deixe ninguém te fazer sentir pequena.”
Mas era difícil para Rejoice acreditar nisso. Suas costas tinham cicatrizes de chicote. Seus braços, marcas de queimaduras. Suas bochechas, hematomas causados pelos anéis pesados da tia Monica.
Numa manhã de sábado, tudo mudou.
Rejoice estava cozinhando arroz e esqueceu de verificar a panela porque estava varrendo o quintal. Quando voltou, o arroz tinha começado a queimar.
Quando Mônica entrou na cozinha e viu a panela, seus olhos brilharam de fúria.
“Menina inútil! Você sabe quanto custa o arroz no mercado?”
“Tia, me desculpe… Eu não queria, eu estava varrendo—”
Antes que ela pudesse terminar, Monica pegou uma chaleira cheia de água fervente e, sem hesitar, despejou diretamente no rosto de Rejoice.
O grito que saiu daquela criança não era apenas de dor, era o som da inocência destruída.
“Minha cara! Mamãe! Mamãe!”, ela gritou, arranhando o ar e rolando no chão. Seus primos, Justin e Terry, ficaram paralisados de horror.
“Agora você vai aprender! Garota idiota!”, gritou Monica enquanto deixava a chaleira cair como se nada tivesse acontecido.
Os vizinhos vieram correndo ao ouvir os gritos. Alguém chamou um homem chamado Kevin, que levou Rejoice às pressas para a clínica mais próxima. As enfermeiras ficaram horrorizadas ao vê-la.
“Quem fez isso? Não foi um acidente — isso é água fervida! Isso é crueldade!”
Seu rosto estava coberto de bolhas e inchaço. Seu olho esquerdo estava completamente fechado. Sua pele estava descascando. Por dias, ela não conseguiu comer nem falar direito. Ela se encolhia com barulhos altos, mesmo dormindo.
A polícia foi chamada. Mas Mônica — respeitada na igreja e bem relacionada — alegou que foi um acidente.
“Ela estava brincando na cozinha. Derramou tudo em si mesma. Deus sabe como eu amo aquela criança.”
Ninguém acreditou nela. Mas, sem provas concretas, o caso não deu em nada.
Rejoice ficou sem falar por semanas. Depois de receber alta, ela ainda evitava o olhar de todos. Monica, incapaz de lidar com a culpa — ou com a lembrança constante do que havia feito —, mandou Rejoice de volta para a aldeia para morar com a avó.
Seu corpo agora exibia cicatrizes visíveis, mas as mais profundas — as internas — eram muito mais difíceis de ver.
Naquela noite, sentada atrás da cozinha de sua avó e olhando para as estrelas, Rejoice sussurrou:
“Deus… por que os maus vencem? Por que o Senhor deixou que ela fizesse isso comigo?”
Então ela acrescentou, quase inaudível, como se estivesse fazendo um voto:
Um dia, não serei mais pobre. Nunca mais mendigando comida. Nunca mais morarei na casa de ninguém.
A primeira vez que Rejoice viu seu reflexo após as queimaduras, ela mal se reconheceu. Sua pele, antes lisa, agora estava retorcida e rachada. Seu olho esquerdo estava caído. Sua bochecha parecia argila endurecida. Ela tocou lentamente o rosto e murmurou:
“Sou eu?”
Não houve resposta.
Mas a garota em pé diante daquele espelho se levantaria — marcada, mas não derrotada.
Rejoice tinha apenas nove anos quando aprendeu que a vida não é justa. A queimadura havia roubado seu rosto, mas não sua alma. E embora a dor fosse avassaladora toda vez que se olhava no espelho, uma pequena centelha ainda vivia dentro dela: a esperança.
Durante meses, ela viveu em silêncio na casa da avó. A velha era pobre, mas gentil. Ela fazia infusões de folhas de nim para acalmar a pele de Rejoice e cantava suas antigas canções todas as noites, mesmo sem saber se a neta estava dormindo ou chorando silenciosamente no escuro.
“Você vai ficar bem, minha filha”, ela dizia, acariciando a cabeça. “Deus não abandona os justos. Ele vê você.”
Mas Rejoice não confiava mais num Deus que parecia surdo aos seus apelos.
As pessoas na aldeia olhavam para ela com pena — ou horror. As crianças se afastavam dela como se ela fosse amaldiçoada. Na escola, alguns sussurravam que seu rosto era um castigo divino. Outros simplesmente não suportavam olhar para ela. Logo, ela parou de ir.
Um dia, enquanto caminhava em direção ao poço, ela ouviu uma mulher sussurrar:
“Olha só ela… a garota queimada. Quem vai se casar com uma pessoa dessas?”
Rejoice apertou ainda mais a corda do balde e continuou andando. Não derramou uma única lágrima. Não mais.
A salvação veio na forma de livros empoeirados.
Sua avó, que havia sido professora antes de ficar viúva, guardava uma caixinha de textos antigos. “Eles são seus, se você prometer não desistir”, disse ela um dia, tirando a poeira de um romance.
Rejoice os devorava com fome. Aprendeu a escrever poesia, a ler em voz alta diante do espelho, a sonhar com um mundo muito maior do que aquele em que nascera. À noite, lia para a avó sob a luz fraca de uma vela.
Aos doze anos, ela voltou para a escola, de cabeça erguida e o rosto coberto por um lenço. Quando a professora a viu entrar, não pôde deixar de sorrir calorosamente.
“Bem-vinda de volta, Rejoice. Seu lugar sempre foi aqui.”
Os primeiros dias não foram fáceis. Alguns colegas riram, outros sussurraram coisas cruéis. Mas havia uma garota chamada Zina que se sentou ao lado dela sem dizer uma palavra. Com o tempo, elas se tornaram inseparáveis.
Uma tarde, depois da aula, Zina perguntou-lhe:
“Dói?”
Rejoice ficou em silêncio por um momento e então respondeu:
“Só quando as pessoas olham para mim como se eu fosse um monstro.”
Zina apertou a mão dela com força.
“Você não é um monstro. Você é um guerreiro.”
Aos dezesseis anos, Rejoice ganhou uma bolsa de estudos para uma competição regional de ciências. Foi a primeira vez que ela saiu da vila desde o acidente. Na cidade, ninguém conhecia sua história e, embora alguns ainda a observassem por curiosidade, não havia ódio, nem tapas, nem água fervente. Apenas possibilidades.
Ela voltou para a vila com uma medalha de bronze e uma carta: uma organização sem fins lucrativos queria patrocinar sua educação durante todo o período da universidade.
Sua avó chorou lágrimas de alegria.
Mas nem todos ficaram felizes.
Certa tarde, alguém bateu na porta da cabana de sua avó.
Era a tia Monica.
Vestida elegantemente, como sempre. Maquiagem impecável, expressão indecifrável.
“Vim levá-la comigo”, disse ela. “Sou a tutora legal dela. E se ela for estudar na cidade, que seja sob o meu teto.”
Rejoice congelou. Sua avó apertou os lábios.
“Depois do que você fez? Você não tem vergonha nenhuma!”
“Não há provas de nada. E isso foi há anos. Eu… eu cometi erros, mas quero consertar as coisas”, respondeu Monica, com a voz forçada.
Rejoice olhou para ela com uma mistura de medo e fúria. Mas também com algo mais: controle.
Ela não era mais a garota que chorava na cozinha. Era uma jovem com cicatrizes, sim… mas também com um propósito.
“Eu irei com você”, disse ela lentamente, “mas não porque confio em você. Eu irei porque um dia… você vai me olhar nos olhos e desejar nunca ter tocado em mim.”
Mônica engoliu em seco.
Agora, anos depois, Rejoice tem vinte e dois anos.
Ela é doutora em biotecnologia. Trabalha em um hospital infantil onde vítimas de queimaduras encontram conforto em sua voz suave e sorriso torto. Seu lenço não esconde mais nada. Seu rosto, embora marcado, brilha com uma dignidade implacável.
E a Mônica…
Mônica está acamada, paralisada por um derrame.
Ela não fala. Ela não anda. Ela apenas olha para o teto em silêncio.
E quem a alimenta? Quem limpa seu corpo e lhe dá remédios?
Alegrar.
Cada colherada que ela lhe dá, cada pílula, cada olhar… é uma lição.
—“A vida te dá o que você planta, tia”, ela sussurra. “Mas eu… eu semeei amor, mesmo quando você só me deu dor.”
O relógio do corredor bateu 6:00 da manhã. Rejoice já estava acordado.
Todos os dias começavam da mesma forma: ela fervia água, preparava mingau de aveia e triturava os comprimidos da tia Monica num pilão. Tudo precisava estar pronto antes da chegada da cuidadora do hospital. Mas Rejoice não era enfermeira naquele momento. Ela era a sobrinha que a sociedade dizia que deveria cuidar da tia, mesmo que ela tivesse arruinado sua infância.
Ela entrou na sala com a bandeja. Monica ainda estava imóvel. Seus olhos — a única parte do corpo que conseguia se mover — a seguiram lentamente. Rejoice colocou a colher perto da boca dela e falou com aquela voz calma que ninguém mais conseguia imitar.
—“Bom dia, tia. Hoje tem mingau de aveia com banana. Lembra que você nunca me deixou tocar na fruta porque era só para o Justin?”
Mônica, como sempre, não disse nada. Mas, às vezes, Rejoice podia jurar que via uma lágrima rolar por sua bochecha.
No hospital, Rejoice era outra pessoa. Vestia um jaleco branco e tinha um sorriso que até as crianças mais feridas sentiam como um bálsamo. Um menino de cinco anos, com as mãos gravemente queimadas, certa vez lhe perguntou:
—“Doutor, o senhor também se queimou?”
Rejoice assentiu, ajoelhando-se ao seu nível.
—Sim. Doeu muito. Mas também me fortaleceu.
O menino olhou para ela com os olhos arregalados, impressionado.
—“Então… eu também serei forte?”
—“Mais forte que eu, pequena. Muito mais forte.”
Numa tarde de domingo, enquanto organizava documentos de um projeto de pesquisa sobre regeneração de tecidos, Rejoice encontrou uma caixa velha no canto do armário. Pertencia à sua avó, falecida dois anos antes. Dentro, havia cartas, fotos, uma Bíblia surrada… e um pequeno bilhete escrito com uma letra trêmula:
“Minha filha, Alegra-te, se a dor te dominar, não retribuas o mal com o mal. Deus não te pediu justiça. Ele te pediu um propósito.”
Rejoice fechou os olhos. Lembrou-se das noites na esteira, das sopas frias, das lágrimas silenciosas… e da sua promessa: “Nunca mais viverei sob o teto de ninguém.”
Ela tinha conseguido. Mas algo dentro dela ainda estava quebrado. Não por causa das cicatrizes. Mas porque, no fundo, parte dela ainda ansiava por algo que Monica jamais diria: “Sinto muito”.
Uma semana depois, Rejoice foi chamada às pressas ao hospital. Monica havia sofrido um segundo derrame. Ela não conseguia mais mover os olhos. Mal respirava.
Os médicos foram claros: “Ela pode não sobreviver à noite”.
Rejoice sentou-se ao lado da cama. Pegou a mão inerte da tia e falou pela última vez.
—“Você roubou minha infância. Você roubou meu rosto. Mas não roubou minha alma. Cada dia que te alimentei foi um ato de guerra contra o ódio. E eu venci.”
Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Sua voz tremia, não de medo, mas de alívio.
—“E por isso… mesmo que ninguém entenda… eu te perdôo.”
Um longo bipe quebrou o silêncio.
Mônica havia morrido.
O funeral foi tranquilo. Ninguém chorou muito. Alguns vieram por respeito, outros por hábito. Rejoice, vestido de branco, permaneceu de pé o tempo todo. Alguns sussurravam entre si:
—“Por que ela fez tanto por aquela mulher?”
—“Eu não poderia ter feito isso.”
—“Ela deve estar louca.”
Mas Rejoice não ouviu nada disso.
Ela havia enterrado a tia. Mas, mais do que isso, ela havia enterrado o ressentimento.
Hoje, aos 25 anos, Rejoice administra um centro de acolhimento para vítimas de abuso infantil.
Ela o batizou de Casa Estrella — em homenagem às estrelas que ela costumava observar quando criança, chorando atrás da cozinha da avó.
Cada criança que entra por aquela porta recebe não apenas cuidados médicos, mas algo que lhe foi negado durante anos: ternura.
— “Vocês não são o que fizeram com vocês. Vocês são o que escolheram se tornar”, ela lhes diz.
E quando alguém lhe pergunta sobre seu rosto, ela simplesmente sorri.
—“Essas marcas não são minha vergonha. Elas são minha história.”
O sol se punha suavemente sobre os telhados de Aba. Era um dia comum para a maioria. Mas para Rejoice, era o começo de algo diferente.
Pela primeira vez em muitos anos, ela retornou à casa onde tudo começou.
Sim. Casa da tia Monica.
A propriedade estava abandonada desde a morte de Monica. Justin havia se mudado para o exterior e nunca mais olhou para trás, e Terry agora morava em Lagos. Ninguém reivindicou a casa. Ninguém sequer queria tocá-la.
Mas Rejoice fez isso.
Com as velhas chaves enferrujadas, ela abriu o portão que outrora a apavorara. O guincho metálico soou como o despertar de um velho fantasma.
Ela caminhou lentamente pelo quintal. Tudo estava coberto de mato e empoeirado. O cheiro de umidade, misturado com lembranças, atingiu seu peito.
A cozinha.
Ela ficou parada em frente àquela porta por vários minutos. Aquele canto onde seu rosto havia mudado para sempre… agora era apenas um espaço vazio, com uma panela esquecida ainda no fogão.
Ela fechou os olhos.
Ela ouviu os ecos de gritos, insultos, dor. Mas também se lembrou da menina que, mesmo arrasada, continuava respirando. E decidiu fazer algo impensável.
Dois meses depois, a antiga casa da tia Monica não era mais a mesma.
Onde antes havia gritos, agora havia risos. Onde havia medo, agora havia brincadeiras.
Rejoice transformou o local em um abrigo para meninas vítimas de abuso.
Ela a chamou de A Casa da Esperança .
No primeiro dia de abertura, apenas três meninas chegaram. Uma, Blessing, tinha um ferimento nas costas que ainda sangrava. Outra, Amaka, não falava uma palavra havia duas semanas. A terceira, Kemi, tinha um olhar tão vazio que dava arrepios.
Rejoice os recebeu com um sorriso.
—“Bem-vindo à sua casa. Aqui, ninguém vai gritar com você. Ninguém vai te bater. E ninguém jamais vai apagar a sua luz.”
As meninas não disseram nada. Mas naquela noite, Kemi se aproximou dela e tocou seu rosto delicadamente.
—“Você também era como nós?”
Rejoice assentiu, segurando as lágrimas.
—“Sim. E ainda sou.”
Com o tempo, o abrigo cresceu. Voluntários chegaram. Psicólogos. Doadores. Rejoice começou a receber convites para conferências, programas de televisão — para compartilhar sua história.
Certa tarde, durante uma palestra na universidade, uma jovem na plateia levantou a mão e perguntou:
—Você perdoaria alguém que destruiu sua vida?
Houve um longo silêncio.
Então, Rejoice respondeu firmemente:
— Perdoar não significa esquecer. Significa escolher não deixar o passado controlar o seu futuro. Sim, minha tia me machucou. Mas se eu não a tivesse perdoado, ainda seria prisioneiro dela — mesmo depois da morte dela.
A sala ficou em silêncio. Alguns aplaudiram. Outros choraram.
E num canto, uma figura observava com os olhos marejados: Zina, a amiga que nunca a abandonou.
Um dia, enquanto caminhava pelo mercado, uma senhora idosa se aproximou dela. Ela usava um véu e caminhava com dificuldade.
—É você… Alegre-se?
Ela assentiu, sem reconhecê-la.
A mulher removeu lentamente o véu.
Era a mãe da Mônica.
— Eu… eu sabia o que minha filha fez com você. Eu sabia de tudo. E nunca fiz nada. — Sua voz tremeu. — Sempre pensei que fosse um assunto de família. Mas agora eu vejo… meu silêncio foi covardia.
Rejoice não disse nada.
A mulher se ajoelhou diante dela, bem ali no meio do mercado.
— Perdoe-me, minha filha. Por não te defender. Por deixar você crescer nas sombras.
As pessoas olhavam fixamente. Elas sussurravam.
Mas Rejoice gentilmente a levantou.
— Não precisa se ajoelhar. A ferida já cicatrizou. E se sangrar de novo… Tenho as mãos limpas para cuidar.
Naquela noite, de volta ao abrigo, Rejoice sentou-se com as meninas no pátio, sob as estrelas.
— Sabe o que minha avó me dizia? — perguntou ela. — Que quando o mundo te quebra, não é para te destruir. É para te mostrar o quanto você pode reconstruir.
Blessing, que a princípio não conseguia nem dormir sem chorar, apoiou a cabeça no ombro dela.
—Então… podemos nos curar?
—Mais do que curar — respondeu Rejoice—. Você brilhará.
A “Casa da Esperança” havia se tornado muito mais do que apenas um abrigo para meninas feridas: era um símbolo de resiliência, cura e futuro.
Rejoice caminhou pelos cômodos, observando o riso substituir o silêncio que reinava naquela casa havia anos. Bênção ajudou a preparar o jantar, Amaka estava desenhando pela primeira vez em semanas e Kemi cantou uma música que ela mesma havia composto.
O som suave de passos a tirou de seus pensamentos. Era Zina, a amiga fiel que sempre estivera ao seu lado.
—Quer vir comigo? —Zina perguntou—. Tem uma coisa que eu quero te mostrar.
Rejoice assentiu e seguiu sua amiga até a praça da cidade, onde uma pequena multidão se reuniu em torno de um palco improvisado.
Um homem mais velho, com olhar pensativo, segurava um microfone. Era o prefeito local, e logo atrás dele, uma enorme faixa dizia: “Honrando a Rejoice: Um Exemplo de Coragem e Esperança”.
O coração de Rejoice bateu forte quando ela ouviu o prefeito falar:
—Hoje, homenageamos uma mulher que, apesar de enfrentar as mais cruéis dificuldades, transformou sua dor em luz para toda a nossa comunidade.
Os aplausos foram estrondosos.
Rejoice subiu ao palco, suas cicatrizes brilhando sob as luzes, sua voz forte e clara:
— Não foi fácil chegar até aqui. Houve momentos em que pensei que a escuridão me consumiria. Mas todos os dias, escolhi lutar. Escolhi amar, mesmo quando estava machucada. Este reconhecimento não é só meu — é para todas as meninas que ainda buscam um lugar seguro. Para todas aquelas que precisam saber que elas também podem brilhar.
Quando ela desceu do palco, uma jovem se aproximou dela timidamente.
—Dr. Rejoice, obrigado por nos mostrar que a beleza mora na alma.
Rejoice sorriu, lembrando-se de sua própria infância — como aquele rosto marcado havia se tornado a história de sua força.
Naquela noite, no abrigo, enquanto as meninas dormiam, Rejoice tirou uma caixa velha de debaixo da cama. Dentro estavam todas as cartas e fotos que a acompanhavam desde a infância.
Ela escreveu em um caderno:
Hoje, aprendi que cicatrizes não definem quem eu sou — elas definem como eu me levanto a cada dia. E embora a vida tenha me queimado, eu escolho me curar… e ajudar os outros a se curarem.
Ela se deitou, exausta, mas em paz.
Porque ela sabia que a verdadeira jornada estava apenas começando.
Embora a vida na “Casa da Esperança” continuasse com alegria e propósito, os fantasmas do passado ainda visitavam Rejoice durante as noites tranquilas.
Certa tarde, enquanto revisava documentos para uma nova campanha de ajuda humanitária, ela recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, uma voz familiar, porém trêmula.
—Alegrem-se… é o Justin.
O coração dela deu um pulo.
Justin, seu primo que havia desaparecido sem deixar vestígios anos atrás, agora queria vê-la.
—Por que você está me ligando? —ela perguntou, contendo a emoção.
— Preciso falar com você. Tem coisas que eu nunca disse… e quero tentar consertar.
Ela concordou em encontrá-lo em um café local.
Quando ele chegou, parecia cansado — rugas prematuras, olhos cheios de culpa.
—Eu sei que não tenho o direito — ele começou—. Quando minha mãe te machucou, eu simplesmente me escondi. Eu estava com medo e não fiz nada para te proteger.
Rejoice olhou para ele sem ódio.
—Eu também não era uma garota forte. Mas sobrevivi. E agora ajudo outras garotas a sobreviver.
Justin assentiu.
—Quero ajudar. Quero fazer parte da “Casa da Esperança”.
Aos poucos, Justin começou a trabalhar com Rejoice. Ele consertou a casa, organizou eventos e, aos poucos, conquistou a confiança das meninas.
Mas nem tudo foi fácil.
Certa noite, após uma discussão entre ele e seu irmão Terry, antigas feridas familiares reabriram.
—Por que você a apoia? —gritou Terry—. Ela nunca fez parte da família!
Justin permaneceu calmo.
—Porque ela é a família que escolhi agora. E porque acredito na força dela.
Em uma reunião de voluntários, Rejoice se dirigiu ao grupo:
— Perdoar não significa esquecer ou permitir que o mal aconteça novamente. Significa escolher curar e reconstruir. Justin está aqui porque decidiu fazer parte dessa jornada. Todos nós temos o poder de mudar.
Naquela noite, ao fechar as portas da casa, ela olhou para o céu estrelado e sussurrou:
— Obrigada, mamãe, por me dar forças para seguir em frente. Não importa quão escuro seja o caminho, a luz sempre encontra seu caminho.
A “Casa da Esperança” estava cheia de vida. Cada canto vibrava com risos, música e novas histórias de resiliência. Rejoice havia conseguido transformar aquele lugar escuro em um farol para aqueles que buscavam luz.
Certa manhã, enquanto organizava uma reunião de voluntários, ela recebeu uma carta inesperada. Era de uma organização internacional reconhecendo seu trabalho e oferecendo apoio financeiro para expandir o abrigo.
A notícia se espalhou rapidamente. Para Rejoice, era um sinal claro de que sua missão estava crescendo, de que as cicatrizes que carregava não eram mais um limite, mas uma ponte.
No entanto, nem tudo era perfeito. Algumas pessoas na comunidade ainda a olhavam com desconfiança, incapazes de se livrar do preconceito e do estigma que ela carregou por toda a vida.
Certa noite, ao retornar ao abrigo, encontrou uma pichação na parede que dizia: “Monstro. Você não merece ajuda.”
Rejoice sentiu a dor familiar, mas, dessa vez, ela não deixou que ela a afogasse.
No dia seguinte, ela reuniu as meninas e os voluntários.
— Isto não é apenas um ataque a mim — disse ela com firmeza —. É um lembrete de que ainda há muito trabalho a ser feito. Mas cada vez que tentam nos apagar, acendemos uma chama ainda mais forte.
Blessing levantou a mão e disse:
— Dra. Rejoice, eu também quero ajudar. Quero que todas as meninas saibam que podem ser fortes, não importa o que digam.
Rejoice a abraçou.
—Isso mesmo, Blessing. Juntos somos imparáveis.
Com a ajuda da organização internacional, a Casa da Esperança abriu uma nova ala dedicada à reabilitação emocional e educação para vítimas de abuso em toda a região.
Rejoice estava feliz, mas sabia que seu maior triunfo não era a construção nem o financiamento. Era ver cada menina se erguer, se curar e brilhar com sua própria luz.
Uma tarde, enquanto escrevia em seu diário, ela se deparou com uma frase que resumia tudo:
“Cicatrizes contam histórias. As nossas falam de luta, resiliência e, acima de tudo, esperança.”
E essa esperança, agora, era mais forte do que nunca.
O sol nasceu timidamente sobre Aba enquanto Rejoice caminhava pelos corredores ampliados da “Casa da Esperança”. Agora, o abrigo não só acolheu meninas, mas também ofereceu workshops, apoio psicológico e um programa de reintegração escolar para centenas de vítimas de abuso em toda a região.
Cada passo que dava a lembrava de tudo o que havia superado. O rosto marcado pelas queimaduras não era mais um símbolo de dor — era um símbolo de vitória.
Naquela manhã, uma cerimônia especial reuniu a comunidade, voluntários e autoridades locais para inaugurar oficialmente a nova ala.
O prefeito pegou o microfone e disse orgulhosamente:
—Rejoice não curou apenas a própria alma — ela transformou a vida de centenas de pessoas. Esta é uma homenagem à sua coragem, resiliência e amor inquebrável.
Rejoice subiu ao palco e, com lágrimas nos olhos, falou:
—Quando eu era criança, a vida me atingiu com crueldade. Perdi meu rosto, minha infância, minha confiança. Mas aqui, nesta casa, encontrei uma família, uma missão, um propósito. Cada menina que passa por estas portas me ensina que a dor não é o fim, mas o começo de uma história de esperança.
Quando terminou, ela caminhou entre as meninas brincando no jardim — algumas agora sorrindo, outras com lágrimas secas no rosto, todas cheias de vida.
Anos depois, a história de Rejoice se tornou inspiração para uma nação inteira. Livros foram publicados, documentários foram produzidos e programas semelhantes foram estabelecidos em outras regiões.
Ela mesma viajou pelo mundo para compartilhar sua experiência, mostrando que a dignidade humana não está na aparência, mas na força do espírito.
Rejoice nunca se esqueceu de suas raízes nem daqueles que a ajudaram ao longo do caminho. Ela manteve viva a memória de sua avó, de Zina, de Justin e de todas as meninas que encontraram na escuridão um motivo para seguir em frente.
Seu rosto marcado contava a história de uma garota queimada, sim, mas também de uma mulher que, com cada ato de amor, reconstruía seu mundo.
E assim, em cada canto onde uma voz silenciada começa a ser ouvida, em cada coração que se recusa a desistir, vive o verdadeiro legado do Rejoice:
a esperança que nasce do fogo.
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