
A minha casa era mais do que paredes e um teto; era a minha alma em forma de tijolo e madeira. Passei mais de uma década a poupar para a comprar, cêntimo a cêntimo, e cada canto era um testemunho do meu esforço. As minhas roseiras floresciam como promessas cumpridas, o jardim estava sempre impecável, e eu tinha construído uma pérgola branca onde tomava café e absorvia a paz das manhãs. Com uma nova camada de tinta e móveis frescos, as minhas recentes renovações tinham tornado tudo perfeito. Era o meu santuário.
Lígia, a minha irmã mais nova, sempre foi a preferida dos nossos pais. Ela era a tempestade na minha calmaria, mas o nosso laço era forte. E eu adorava Tiago, o seu filho, um garoto de sete anos com os olhos mais brilhantes que já vi.
O telefonema dela, na noite anterior à minha viagem de negócios, foi a primeira rachadura na minha perfeição. A sua voz, melosa e exigente, invadiu o meu silêncio. “Ana, podemos celebrar o aniversário do Tiago na tua casa?! Os restaurantes estão todos reservados ou muito caros, e o nosso apartamento é pequeno demais. NÃO TE IMPORTAS, POIS?!”
Eu pausei, a minha voz cheia de cautela. “Lígia… Eu vou numa viagem de negócios de dois dias. Podemos celebrar quando eu voltar?”
“Não, tem que ser nesse dia!” A sua voz endureceu, uma faca afiada. “O Tiago está a contar os dias. É só deixares-me as chaves!”
Eu pensei no sorriso do Tiago, na sua felicidade. E, contra o meu bom senso, cedi. Entreguei-lhe as chaves, sentindo um arrepio na espinha, uma sensação de que estava a cometer um erro.
O regresso a casa foi como entrar num pesadelo. A porta da frente estava escancarada. Um cheiro azedo, gorduroso e doce atingiu-me como um murro. O tapete, o meu tapete novo, estava manchado. O meu sofá, limpo e impecável, estava coberto de migalhas de bolacha, e as impressões digitais sujas manchavam cada superfície. A minha cozinha, o coração da minha casa, estava soterrada sob uma montanha de lixo.
Com as mãos a tremer, apanhei o meu telefone e liguei para Lígia.
“LÍGIA, COMO PUDES FAZER ISSO?! Acabei de renovar…”
A sua resposta foi ainda mais cortante. “AH, DEIXA DE DRAMA! É só um pouco de sumo. Tu não és uma menina, podes resolver isso!!”
“Por que farias isso? Eu não entendo!”
O silêncio do outro lado da linha era uma lâmina. Então, a sua voz veio, baixa e cheia de veneno. “AH, NÃO! TU SABES PERFEITAMENTE PORQUÊ! É TUDO SOBRE TI… A TUA CASA PERFEITA… O TEU TRABALHO PERFEITO… TU SEMPRE TIVESTE TUDO!”
O meu coração parou. A raiva deu lugar a uma dor profunda e fria. Desliguei a chamada. Não havia nada a dizer. A minha irmã, que me acusava de ter tudo, tinha-rado a minha casa de propósito. E, naquele momento, percebi que ela tinha destruído mais do que os meus móveis. Ela tinha destruído a nossa relação.
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