Depois do funeral do marido, minha madrasta me arrastou para a floresta

Quando Mary era bem pequena, ela adorava contos de fadas. No início, sua mãe lia livros para ela, mas depois ela aprendeu a ler sozinha. Toda vez, Mary acreditava que um conto de fadas de verdade aconteceria em sua vida. Acontece que sonhos se realizam, mas seu conto de fadas acabou sendo terrível.

Primeiro, a mãe dela morreu. Foi tão injusto que simplesmente não fazia sentido na cabecinha de Mary. O quê, não ter mais mãe? Todo mundo tem uma, menos ela. Mary não conseguia acreditar que a mãe não voltaria para casa, não faria um café da manhã delicioso e que elas não rolariam juntas na cama, brincando de guerra de travesseiros.

Parecia-lhe que todos ao redor estavam fingindo. Se sua mãe não morresse, ela seria enfeitiçada por uma bruxa má e cairia num sono de conto de fadas. Quando ela pediu ao pai para acordá-la, ele chorou. Um ano depois, outra mulher apareceu na casa.

“Esta é a tia Emily”, explicou o pai de Mary. “Ela será sua nova mamãe.”

“Não”, respondeu Mary, afastando-se da tia sorridente. “Não preciso de uma nova mãe.”

“Claro que sim.” O pai agarrou a filha e a puxou para mais perto. “A Emily é boa com crianças. Ela é professora. Tenho certeza de que vocês vão virar amigas.”

“Por nada!” declarou Mary. “Ela deveria ir embora!”

E então, pela primeira vez na vida, seu pai lhe deu um tapa. Não doeu, mas foi muito doloroso. Mary passou o dia inteiro chorando no quarto. Quando a fome a tirou do esconderijo, tia Emily disse que ela só conseguiria comida se a chamasse de “mãe”. Naquela noite, a menina chorosa foi dormir com fome.

Contrariando suas expectativas, seu pai não mandou a bruxa malvada embora, e logo ela se tornou a dona da casa. Tudo seguia o enredo de um conto de fadas sobre uma madrasta e uma enteada pobre. Até mesmo o fato de seu pai ter adoecido. Ele sofreu por muito tempo, com a doença o consumindo por dentro.

“Vou morrer em breve”, disse seu pai um dia, com muita simplicidade. “Achei que conseguiria lidar com isso, que conseguiria viver sem ela, mas não deu certo. Me perdoe, Emily. Parece que sou um homem de uma mulher só.”

“Do que você está falando, meu amor? É claro que eu não vou embora”, disse a nova esposa, segurando a mão dele, mas Mary sabia que era mentira.

E então seu pai faleceu, deixando todo o dinheiro para a filha. Tia Emily tornou-se sua tutora. No início, ela recorria discretamente aos fundos da menina, mas depois, sentindo-se completamente impune, investiu tudo. Não demorou seis meses para que a viúva encontrasse um novo marido, jovem e impetuoso.

Mary se trancava cada vez mais no quarto ou saía para passear pela cidade. Ela se saía bem nos estudos e se vestia bem, mas nunca participava de excursões escolares. O verdadeiro motivo era que Mary não tinha dinheiro, nem mesmo para mesada. Ela suportou e esperou pelo dia em que poderia reivindicar sua herança e deixar a casa que havia deixado de ser seu lar.

As coisas pioraram ainda mais quando a madrasta decidiu que o jovem marido estava dando atenção demais à enteada de 12 anos. Ela causou um escândalo e, um dia, atingiu Mary com uma frigideira quente. A menina se protegeu com a mão, deixando uma marca de queimadura. Uma vida já amarga se transformou em um pesadelo.

Mary jamais esqueceria o dia em que a madrasta enfurecida a pendurou no corrimão da sacada, ameaçando jogá-la do sétimo andar. Olhando fixamente para os olhos enlouquecidos da mulher enlouquecida, Mary gritou até que o marido da madrasta correu e a conteve. Mary ofegou, agarrando a garganta, mas apenas sons roucos saíram de sua boca. Sua voz havia desaparecido completamente.

Naquela noite, encolhida sob as cobertas, Mary ouviu a conversa deles.

“O que você fez?”, gritou o marido. “Agora ela vai mesmo à polícia! Diga adeus à vida boa com o dinheiro daquele garoto e olá à prisão.”

“Ela não vai”, declarou a madrasta. “Eu cuido disso.”

“O que mais você planejou?”, gritou ele. “Não vou me inscrever para nada disso!”

“Eu sei, porque você é um covarde”, respondeu ela friamente. “Vou levá-la para o campo, para a casa da minha avó, para tomar um ar fresco. É um lugar remoto, e tem um rio profundo por perto. Tudo pode acontecer.”

O coração de Mary batia descontroladamente. Ir à polícia sem falar nada? Sua madrasta simplesmente negaria. Ela a levaria para um lugar deserto e se livraria dela. Mary sabia que precisava tomar uma decisão, e rápido.

De manhã, sua madrasta ordenou que ela se aprontasse. Tia Emily arrumou suas coisas em uma mala grande, incluindo seus documentos. A cada minuto que passava, Mary ficava mais apavorada. “Vou fugir pelo caminho”, decidiu.

Eles saíram da cidade, passando por lugares desconhecidos. A estrada virou uma trilha de terra e depois desapareceu em meio a um matagal denso. Mary precisava desesperadamente usar o banheiro e tentou fazer um sinal para a madrasta. Finalmente, a madrasta parou o carro.

“Bem, vá em frente! O que você está esperando?”, ela apontou para a estrada. Mary balançou a cabeça e apontou para os arbustos densos.

“Ah, como somos tímidos!”, zombou a madrasta. “Tudo bem, vá para o mato. Eu fico aqui perto do carro. Depressa!”

Mary rastejou para dentro dos arbustos. “Esta é a minha chance!”, pensou. Correu o mais rápido que pôde para as profundezas da floresta, espremendo-se entre os galhos como um cervo acuado.

“Sua miserável!”, gritou a madrasta em sua perseguição, mas era tarde demais. O medo acelerou, e ela correu e correu até a voz da madrasta enfraquecer. Então, ela perdeu as forças e caiu de cara no musgo macio.

Foi isso que a salvou. Por algum milagre, ela correu para o centro de um pântano, pulando de uma ilha firme para outra. Um tronco que ela derrubou afundou e, quando sua madrasta, ofegante, chegou ao local, o pântano o cobriu com um forte estrondo.

“Ela não se afogou. É o seu jeito, seu miserável”, ela cuspiu, carrancuda, e voltou para o carro.

Mary não a ouviu. Ela havia perdido a consciência. Acordou inexplicavelmente molhada. O monte em que estava deitada afundava lentamente no pântano. Mary congelou, com medo de se mexer. “Acho que vou morrer agora”, pensou com uma estranha sensação de alívio.

Mas ela não queria perder as esperanças e tentou rastejar para longe, apenas para afundar ainda mais. Mary choramingou, espalhando lama pegajosa com as mãos. De repente, uma sombra surgiu, movendo-se em sua direção. Dois olhos amarelos brilhavam ao longe. “Um lobo”, pensou ela, e se preparou para se afogar.

Mas a sombra peluda já estava perto. “Talvez seja um cachorro”, ela se perguntou. Ela agarrou o pelo do animal. Seu salvador inesperado gritou e a puxou para fora. Mary agarrou o pescoço da criatura e começou a rastejar para fora da lama.

Ambas ofegavam, mas seu salvador rosnou e mordeu sua mão delicadamente. Mary sentiu o que ele queria e o seguiu, refazendo cuidadosamente seus passos. A jornada pareceu uma eternidade, mas ela finalmente conseguiu se içar para terra firme.

Ela deitou-se de costas e fechou os olhos, perdendo a consciência novamente. Acordou com uma língua áspera roçando suas bochechas. A criatura estava por perto, respirando pesadamente. Parecia mesmo um lobo. “Bem, agora ele vai me comer”, pensou ela com uma estranha indiferença.

Mesmo assim, ela ergueu a cabeça e olhou nos olhos da criatura. Ela a encarou, quase com reprovação, e então correu para o mato, olhando para trás. Mary não entendia o que ela queria. Estaria satisfeita? Ela parecia pouco apetitosa?

A criatura, vendo que ela ainda estava ali, soltou um rosnado irritado e retornou. Agarrou a ponta da jaqueta molhada dela e começou a puxá-la. Ela se moveu, indicando que entendia. “Que diferença faz?”, pensou. “Vou segui-la.”

Suas dúvidas se dissiparam quando, depois de meia hora, chegaram a uma clareira. No meio da floresta, havia uma pequena cabana. A criatura se aproximou da habitação e emitiu um rosnado rouco.

“É você, Espírito da Floresta? Está com fome, viajante?”, uma voz surgiu da cabana. A porta se abriu, revelando um homem enorme que parecia um guarda florestal.

“Quem você trouxe com você?”, perguntou o homem, perplexo, observando Mary, que tremia de medo e frio. “Você a tirou do pântano?”, o Espírito da Floresta soltou um rosnado afirmativo.

“Quem é você?”, perguntou o homem, elevando-se sobre ela. Ela gesticulou em direção à boca e balançou a cabeça.

“Mudo também?”, exclamou ele. “De onde você veio?”

Maria começou a chorar.

“Não adianta molhar tudo. Você já está encharcado”, resmungou o homem. “Entre. Minha camisa está no banco. Tire a roupa molhada e vista-a. Eu cuido desse peludo.”

Tremendo, Mary entrou na pequena e aconchegante cabana que cheirava a ervas. Vestiu a camisa quente, que parecia um vestido. O homem retornou.

“Vá buscar as botas de feltro quentinhas no fogão e não fique tremendo assim. Eu não como as pequenas como você.”

Ela calçou as botas de feltro e sentiu um calor delicioso. Olhando pela janela, viu o homem secando o pelo da criatura. Depois de se aquecer, parou de sentir medo. Estava apenas com muita fome.

Mary se aproximou da mesa e viu um jornal com um jogo de palavras cruzadas e um lápis. Ela escreveu nas margens: “Meu nome é Mary. Perdi a voz por causa da minha madrasta. Ela tentou me matar.” Depois de pensar um pouco, acrescentou: “Estou com muita fome.”

Ela levou o jornal para o quintal. O homem leu seus rabiscos e soltou um assobio atônito. “Lei, olha só! É um suspense! Você não está inventando, está?”, perguntou ele a Mary. Ela balançou a cabeça.

“Bem, o que você acha, Lei? Devemos acreditar nela?”, o homem se virou para a criatura. A criatura emitiu um breve som, como se confirmasse sua história.

“Bem, você teve uma baita aventura”, murmurou o homem. “Certo, primeiro precisamos te alimentar. Então você é Mary, certo?” A garota assentiu.

“Você já conhece o Lei”, continuou o homem. “Você provavelmente pensou que ele era um lobo, certo?” Mary assentiu novamente.

“Ele é um lobo”, riu o homem. “Eu o resgatei de uma armadilha quando era um filhote. Pode me chamar de Kevin. Sou uma espécie de guarda florestal por aqui.”

Com um sorriso de alívio, a menina o seguiu até a cabana. Kevin serviu ensopado de coelho em duas tigelas grandes. “Comam”, disse ele. “Não se preocupem, aqui não comemos menininhas. Meu estômago não aguenta.” Ele riu, satisfeito com a própria piada.

O ensopado estava incrivelmente delicioso. Enquanto comia, ela examinava secretamente o rosto de Kevin. Ele parecia mais com a idade de um pai. Pensar no próprio pai lhe trouxe lágrimas aos olhos.

“Ei, nada disso aqui!” Kevin levantou a voz. “Não aguento mais toda essa agitação feminina.” Assustada, Mary parou de chorar e continuou comendo.

“Que tipo de monstro faria mal a uma criança?”, refletiu Kevin. “E por que seu pai não interveio?” Mary ergueu os olhos, suspirou e balançou a cabeça.

“O quê? Nem a mamãe nem o papai?”, exclamou o guarda florestal. “Ah, coitadinho! Mas não tenha medo de mim.”

Mary terminou a refeição e olhou para Kevin. “O que vem agora?”, ela pareceu perguntar.

“Você vai tomar banho agora”, disse ele. “A bacia está lá fora.” Mary arregaçou a manga, revelando uma cicatriz de queimadura.

“Quem fez isso com você?”, Kevin arfou. “Foi sua madrasta?” Mary assentiu. O rosto de Kevin se fechou. “Vá se lavar. Lei vai ficar de olho em você.”

Enquanto se lavava, sentia como se estivesse limpando não apenas a sujeira, mas também os medos e a tensão dos últimos anos. Lei estava deitado por perto, protegendo-a. Depois, sentou-se ao lado do seu guardião, acariciando-lhe o pelo e murmurando palavras de agradecimento. Na cabana de Kevin, sentia-se mais segura do que nunca.

“Terminou seus procedimentos com água?”, perguntou Kevin. Lei respondeu com um rugido afirmativo.

“O que eu faço com você, hein?”, perguntou ele, mais para si mesmo do que para Mary. “Você tem família?” A garota balançou a cabeça.

“Isso não é bom”, ponderou ele. “Devíamos mandá-lo de volta para a cidade e entrar com um processo contra sua madrasta.” Mary olhou para ele com olhos assustados.

“Não acredito nos nossos tribunais”, Kevin deu de ombros. “Pode piorar. Eles vão te colocar num abrigo, e lá não é nada agradável. Também não posso deixar você ficar comigo. Não é certo uma jovem viver com um velho recluso.” Os lábios de Mary tremeram.

“Resta uma coisa”, ele se animou. “Vou te levar até a Vovó Karen. Ela é uma feiticeira, talvez possa te ajudar a recuperar a voz.” Lei pareceu rir, cobrindo o nariz com a pata.

“Tudo bem, pode rir de mim!” Kevin o ameaçou com o dedo. “A propósito, a responsabilidade é sua, já que foi você quem a trouxe do pântano!”

Mary deixou o rosto cair sobre os braços e chorou. Kevin entrou e sentou-se ao lado dela, acariciando-lhe as costas delicadamente. “Não chore, pequena. A vida é assim, lágrimas não ajudam.”

Ele lhe contou sobre sua amiga, Vovó Karen, uma poderosa feiticeira que morava em uma vila próxima. “Ela é bastante temperamental”, alertou. “Mas tenho certeza de que pode curar sua mudez.”

Mary ouviu, prendendo a respiração. Parecia um conto de fadas, mas ir até uma velha era assustador. E se ela fosse tão má quanto a madrasta?

“Nós e a Lei iremos visitá-la”, continuou Kevin. “Ela me curou uma vez. Concordo, Mary. Há uma chance de você voltar a falar.” Mary assentiu hesitante.

“Está combinado”, exclamou Kevin. “Vou buscar alguns presentes para a Karen. Não podemos ir de mãos vazias.”

Enquanto ele estava fora, Mary pegou uma vassoura e começou a varrer o chão. Por fim, deitou-se no banco e adormeceu.

“Está cansada, anfitriã?” A voz de Kevin a acordou. Ela sorriu timidamente. Ele não parecia tão assustador agora.

“Reuni os presentes. Se você já descansou, é hora de pegar a estrada.” Kevin entregou a ela um saco de vime cheio de frutas vermelhas. Então, pegou a mão dela e, juntos, acompanhados por Lei, partiram.

Com o enorme e forte Kevin ao seu lado e o fiel Lei por perto, a vida não parecia tão sombria. Logo, ela estava coberta de suco de frutas vermelhas, e toda vez que Kevin olhava para ela, ele ria.

Quando a floresta terminou, eles chegaram a uma fileira de casas em ruínas. Mary se assustou e agarrou a mão larga de Kevin. “Você prometeu ser corajoso”, ele sorriu, encorajando-o.

A Vovó Karen morava na casa mais distante, a única casa habitada na vila esquecida. “Vovó Karen, abra!”, gritou Kevin.

A porta rangeu e, na luz, surgiu uma mulher que se parecia com a Baba Yaga dos contos de fadas de Mary. Mary estremeceu e tentou retirar a mão, mas Kevin a segurou com firmeza.

“É você, Kevin?” perguntou a bruxa.

“Sou eu. E quem está com você?”, perguntou ela, com os olhos parecendo atravessar Mary.

“Eu a encontrei na floresta”, Kevin deu de ombros. “Ela não consegue falar. A madrasta a abandonou.”

“Ela não está mentindo”, disse a Vovó Karen. “Essa garotinha realmente levou a pior. O que você quer de mim?”

“Por favor, cure a menina”, pediu Kevin. “É por medo. Você pode ajudá-la?”

“Talvez eu consiga”, disse Karen, com o olhar fixo na garota pálida. “Você está com medo?”, ela se virou para Mary. Mary assentiu.

“Viu?”, Vovó Karen deu de ombros. “Não vai dar em nada. A criança precisa ser mandada para a cidade.”

“Não podemos mandá-la para a cidade”, disse Kevin, balançando a cabeça. “Provavelmente vão colocá-la num orfanato, ou a madrasta a aceitará de volta.”

“Você vai cuidar da menina ou eu tenho que levá-la de volta para a floresta?”, perguntou Kevin, com um tom sério.

A avó franziu os lábios. “Você é um idiota, Kevin. Tudo bem, vou ver o que pode ser feito. Deixe a menina.”

Mary tremeu, mas Kevin soltou um suspiro de alívio. “Obrigado. Trouxe alguns presentes.”

“Descarregue os presentes no celeiro”, ordenou ela. “E você, querida, venha até mim”, disse ela, com uma ternura inesperada, para a menina. “Vá em frente, eu não como crianças.”

Mary hesitou, mas Lei a cutucou com o focinho, como se a estivesse insistindo para obedecer. Respirando fundo, ela subiu os degraus que rangiam e abriu a porta.

Lá dentro, havia uma visão extraordinária: um samovar e um laptop, maços de ervas e vários frascos científicos. “Sou eu, uma Baba Yaga moderna”, proclamou a bruxa, orgulhosa.

“Karen defendeu seu doutorado em ervas, e não apenas um”, acrescentou Kevin. “As pessoas vêm de todo o país. Ela até me ajudou a me reerguer uma vez.”

“Ela te recuperou, mas não curou seu cérebro”, resmungou a vovó Karen. “Deixe a menina e siga seu caminho. Nós resolvemos isso sem você.”

Kevin riu, piscou para Mary e se preparou para ir embora. “Não tenha medo”, sussurrou. “Escute a vovó Karen. Lei e eu visitaremos você em breve.”

Deixada a sós com a velha, Mary empalideceu. Mas Karen se aproximou e a abraçou com força pelos ombros. “Percebo que a vida tem sido difícil para você. Assim como Kevin quando nos conhecemos. Ele veio aqui para morrer. Eu curei o corpo dele, mas não consegui curar a alma dele. Agora olho para você e me pergunto: talvez seja esse o seu propósito?”

Maria olhou, perplexa.

“Tudo bem, vamos tomar um chá”, disse Karen, mudando de assunto. “Você gosta de frutas vermelhas?”

Mary assentiu. No armário, encontrou um conjunto de xícaras de porcelana de uma beleza inimaginável. O chá, embebido em frutas vermelhas amassadas, tinha um sabor cem vezes melhor. A cada gole, seus medos e preocupações desapareciam.

“Então, como está o chá? Mágico, não é?”, perguntou a vovó Karen. Mary assentiu e sorriu timidamente.

“Você sabe o que é água viva?”, continuou Karen. “Bem, nós a temos aqui. Ela não ajuda a todos, apenas os bons e gentis. Você está pronta?”

Mary assentiu novamente. Ela gostava daquela Vovó de conto de fadas. “Ótimo. Vamos terminar o chá e depois começaremos a espantar o enjoo de você.”

Eles caminharam por uma trilha até um rio ladeado por nenúfares. Nuvens flutuavam pela água cristalina. Karen tirou as roupas, revelando uma peça simples. Sentindo-se tímida, Mary fez o mesmo e mergulhou os dedos dos pés na água.

“Está frio, brr!”, exclamou Mary.

“Seja corajosa, minha menina, ou a água pode se recusar a tirar a doença”, disse Karen severamente.

Mary deu um passo, depois outro, e de repente estava debaixo d’água. Agitou os braços, abriu a boca num grito silencioso, e um “A” rouco e agudo saiu de sua garganta. Karen despejou punhados de água sobre ela, murmurando: “Com água de ganso, que Mary se livre de todos os seus males.”

O medo dela se dissipou. Sua respiração se acalmou.

“Tente dizer alguma coisa”, exigiu Karen.

“Aaa”, conseguiu dizer a garota em tom cantante. Sua garganta não cooperava, mas ela tinha certeza de que falaria novamente em breve.

“Bom trabalho”, elogiou Karen. “O rio aceitou você. Viremos aqui todos os dias.”

Ao retornar à casa, Mary sentiu fome. Tentou chamar a atenção de Karen, mas a velha, absorta em um livro, não se virou.

“Não murmure, fale com palavras”, respondeu Karen sem olhar para cima.

Mary sentiu uma profunda sensação de injustiça. Como conseguiria falar com palavras? Ela ficou tensa. Sons borbulhavam em sua garganta. Ela os imaginou como bolas de bilhar, escolheu três e empurrou.

“Eu sou”, ela conseguiu dizer inesperadamente.

Karen largou o livro e deu um tapinha na cabeça de Mary. “Muito bem. Vai dar tudo certo. Mas, por enquanto, é hora de comer. Vá para o quintal, tenho algumas galinhas. Colete ovos.”

Ignorando o cacarejar desaprovador de um galo de cores vibrantes, Mary recolheu cinco ovos. Logo, a casa se encheu com o aroma de dar água na boca de bacon frito e ovos mexidos.

Enquanto Mary fechava os olhos, contente, o humor de Karen mudou. Ela abriu a porta bem a tempo de Lei entrar. O lobo ganiu, andando de um lado para o outro, e Mary viu sangue em seu pelo.

“Aconteceu alguma coisa com o Kevin!”, gritou Karen. “Parece que ele encontrou caçadores ilegais. Fiquem aqui, vou pedir ajuda!”

Mas Mary não a ouviu. Seguindo Lei, ela correu pela trilha. Lei a conduziu até uma clareira e uivou. Mary viu um homem deitado na grama. Ela correu até ele, ajoelhou-se e tentou virá-lo.

Por um momento, ela achou que Kevin não estava respirando. Suas calças camufladas estavam encharcadas de sangue. Quando toda a esperança parecia perdida, um som rouco irrompeu de sua garganta: “Pai!”

Kevin gemeu e se virou. “Mary? É você?”, disse ele com dificuldade.

“Eles me pegaram, esses desgraçados”, ele estremeceu. “Caçadores locais. Levaram uma carga de chumbo grosso nas duas pernas. Mary, tenho uma faca na minha pochete. Tente cortar as calças e enfaixá-las.”

A garota se recompôs. Conseguiu cortar o tecido resistente e engasgou ao ver as pernas dele.

“Não desanime, filha”, ele encorajou. “Corte o tecido em tiras compridas e amarre-as o mais firmemente possível. Vou tentar engatinhar.”

Mary amarrou as pernas dele com toda a força que pôde, e o sangramento parou. Com a ajuda de Mary, Kevin tentou engatinhar. Foi um trabalho lento e agonizante. Depois do que pareceram horas, suas forças se esgotaram e ele perdeu a consciência.

Maria se levantou de um salto, e um grito ecoou pela floresta: “Socorro!”. Ela gritou e rezou por um milagre. E um milagre aconteceu.

Uma mulher alta e bonita irrompeu na clareira, seguida por um homem enorme, de cabelos grisalhos, com o mesmo traje camuflado de Kevin. “Brian, precisamos levá-lo para casa”, ordenou a mulher. Virando-se para Mary, disse: “Corra para casa, precisamos de água morna. Muita.”

Lei apareceu, e Mary o seguiu. Eles conseguiram ferver água e preparar bandagens no momento em que Brian, o gigante, carregava Kevin, que gemia, para dentro de casa. A bela mulher, Rebecca, o seguiu.

“Vamos, não vamos atrapalhar”, Brian pousou a mão grande no ombro de Mary. No pátio, suas lágrimas finalmente rolaram.

“Não se preocupe com o Kevin, querida”, disse Brian, acariciando suas costas. “Ele já passou por coisas piores. Vamos pegar e punir aqueles bandidos.”

Karen saiu e abraçou a garota. “Você está enganado, Brian. Ela salvou a vida dele hoje.”

Lá dentro, Rebecca cuidava de Kevin. “Ele ainda está dormindo”, diria ela mais tarde. “Mas eles vão conversar um dia. Kevin é teimoso.”

“Ele não consegue perdoar Rebecca depois de todos esses anos”, Brian balançou a cabeça.

“Tolice”, respondeu Karen. “A mãe dele não queria dividir o filho com uma noiva. Ela lhe disse que Rebecca fez um aborto, e ele acreditou. Ele assinou um contrato militar, e ela, coitada, teve um aborto espontâneo. Não foi culpa dela.”

Mais tarde, uma Rebecca pálida saiu. “Ele está acordado?”, perguntou Karen.

“Sim”, respondeu Rebecca, com os lábios quase sem se mexer. “Ele me expulsou.” E cobriu o rosto com as mãos.

“Tudo bem”, Karen se levantou resolutamente. “Vou clarear a mente do teimoso.”

Meia hora depois, Karen, satisfeita, apareceu. “Rebecca, entre em casa. Você precisa conversar.”

Quando puderam voltar, Rebecca e Kevin estavam juntos, a mão dele acariciando a dela enquanto ela lhe dava chá.

“Os primeiros socorros foram prestados. Agora precisamos ir para o hospital”, anunciou Karen.

“Já decidimos”, Kevin olhou para Mary e sorriu. “Afinal, você não me chamou de ‘pai’ na floresta só para se exibir, né? Você não vai me abandonar quando eu estiver indefeso, vai?”

Mary balançou a cabeça e disse com alguma dificuldade: “Não”.

“Bem, Rebecca”, Karen sorriu. “Parece que teremos que usar nosso status oficial. Você é uma representante autorizada dos direitos da criança, não é?”

Rebecca assentiu. “Sim. E eu sei exatamente como lidar com aqueles que tentam fazer mal a crianças.”

Com a cabeça de Kevin apoiada no colo de Mary, eles dirigiram até o hospital. Ela acariciou seus cabelos, implorando a alguém lá em cima: “Deixe o Kevin comigo, não o leve.”

Seu apelo foi ouvido. Kevin se recuperou rapidamente. Enquanto esteve no hospital, Mary morou com Rebecca. Rebecca, usando seu status oficial, garantiu que a madrasta de Mary enfrentasse as consequências de seus atos. Não havia evidências diretas de um atentado contra Mary, mas a lei atingiu a mulher astuta onde mais doía: seu bolso, com uma multa pesada. O pedido de adoção de Rebecca foi atendido.

Quando Kevin recebeu alta, ele e Rebecca apresentaram seus documentos para se casar. Mary já havia percebido que eles sempre se amaram, separados apenas pela interferência da mãe de Kevin, uma verdade que veio à tona tarde demais para que a mãe se abstivesse de seu pecado.

Logo depois, visitaram os túmulos dos pais de Mary. “Eu te amo”, sussurrou Mary, colocando flores no chão. “Não se preocupe, agora Kevin e Rebecca estão comigo. Você não se importa se eu os chamar de mamãe e papai, certo?”

E agora também tenho a vovó Karen e o vovô Brian. Eles também se casaram. Ele se mudou para a floresta para ficar com ela. Em breve, iremos visitá-los.

“Ah, vocês não sabem”, ela sussurrou para as fotos. “Eu era completamente muda, mas agora está tudo bem.”

A mãe e o pai sorriram para a filha na foto. Mary ergueu os olhos para o céu. Ela sempre acreditara em finais felizes em contos de fadas. E parecia que o seu conto de fadas pessoal tinha de fato terminado feliz. Ou melhor, era apenas o começo.

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