
O motociclista que me criou não era meu pai. Ele nem era meu parente. Era um mecânico maltrapilho que me encontrou dormindo na caçamba atrás da sua oficina de motos quando eu tinha quatorze anos.
Chamavam-no de El Güero Mike — um homem de quase dois metros de altura, com uma barba que chegava ao peito e braços cobertos por tatuagens militares desbotadas. Ele poderia facilmente ter chamado a polícia quando flagrou um garoto fugitivo roubando as cascas de seu sanduíche descartado.
Mas não foi isso que ele fez.

Às cinco da manhã, ele abriu a porta da loja, me viu encolhida em sacos de lixo pretos e disse cinco palavras que mudaram minha vida para sempre:
“Tá com fome, garoto? Entre.”
Eu havia fugido do meu quarto lar adotivo em Guadalajara, onde o suposto “pai adotivo” me olhava com as mãos sujas, e a mulher na cozinha fingia não ver nada. Dormir atrás da El Güero Mike Custom Bikes parecia mais seguro do que passar mais uma noite naquela casa.
Eu estava sobrevivendo nas ruas há três semanas, comendo comida de lixeiras e fugindo da polícia, que me jogaria de volta no sistema.
Naquela primeira manhã, Mike não me pediu explicação. Ele apenas me entregou uma xícara de café fumegante — o primeiro da minha vida — e um sanduíche da sua lancheira.
“Você sabe como segurar uma chave inglesa?” ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
“Você quer aprender?”
Foi assim que tudo começou. Ele nunca chamou as autoridades. Nunca perguntou por que eu estava lá. Ele apenas me dava trabalho — vinte pesos no final do dia — e uma cama dobrável nos fundos da garagem quando eu “acidentalmente” deixava a porta aberta à noite.
Logo os outros motociclistas começaram a notar o garoto magricela varrendo o chão e arrumando as ferramentas. Para qualquer outra pessoa, eles poderiam parecer assustadores: jaquetas de couro, emblemas de caveira, motocicletas que rugiam como trovões. Mas eles não me assustaram. Eles me alimentaram.
Snake, que tinha uma tatuagem de uma serpente enrolada no braço, me ensinou matemática explicando as medidas do motor.
O padre, que já foi seminarista, me fazia ler livros em voz alta para ele enquanto trabalhava, corrigindo minha pronúncia.
A esposa de El Oso trouxe sacolas com as roupas velhas do filho — “pequenas demais para ele agora” — que me serviam perfeitamente.

Seis meses depois, Mike finalmente perguntou: “Você tem algum lugar para ir, garoto?”
“Não, senhor.”
“Então é melhor manter esse quarto limpo. O Ministério da Saúde não gosta de bagunça.”
E assim, num piscar de olhos, eu tinha um lar. Não legalmente — Mike não podia adotar um fugitivo —, mas, em todos os sentidos, ele se tornou meu pai.
Mike estabeleceu regras.
Eu tinha que ir para a escola, e ele me levava até lá todas as manhãs em sua Harley, ignorando os olhares dos outros pais.
Eu tinha que trabalhar na loja depois das aulas — “porque todo homem deveria saber trabalhar com as mãos”.
E aos domingos, eu tinha que ir ao jantar no clube, onde trinta motociclistas verificavam minha lição de casa e ameaçavam “me dar uma surra” se minhas notas caíssem.
“Você é inteligente”, disse-me Mike certa noite, quando me pegou lendo um livro de direito. “Assustadoramente inteligente. Você poderia ser mais do que apenas um mecânico como eu.”
“Não há nada de errado em ser como você”, eu disse.
Ele bagunçou meu cabelo, sorrindo. “Eu agradeço, garoto. Mas vamos garantir que você use esse seu cérebro.”
O clube juntou dinheiro para pagar minhas aulas de vestibular. Quando ganhei uma bolsa integral para estudar Direito na universidade, eles deram uma festa tão barulhenta que a vizinhança inteira ficou sabendo.
Mike chorou naquele dia, mas culpou os gases de escape.
Mas a faculdade era um mundo diferente. Cercada por filhos de famílias ricas com casas de férias em Vallarta, parei de falar sobre Mike. Quando as pessoas perguntavam sobre minha família, eu dizia que meus pais tinham morrido.

Na formatura, a situação piorou. Todos se gabavam dos pais — juízes, advogados, políticos. Mike apareceu com o único terno que tinha, botas de motociclista nos pés porque sapatos sociais o machucavam.
Meus colegas o olharam de forma estranha. Envergonhada, apresentei-o como “um amigo da família”.
Ele não discutiu. Apenas me abraçou forte, disse que estava orgulhoso e dirigiu oito horas de volta para Guadalajara. Sozinho.
Consegui um emprego em uma empresa de prestígio na Cidade do México. Parei de frequentar a loja. Parei de atender ligações do clube. Disse a mim mesmo que estava construindo uma vida respeitável, uma vida que nunca me levaria de volta a um lixão.
Até três meses atrás, quando Mike ligou.
“Não é para mim”, disse ele, como sempre fazia quando pedia ajuda. “Mas a prefeitura quer nos fechar. Dizem que somos uma mancha no bairro, desvalorizando os imóveis. Querem que eu venda para uma construtora.”
Mike administrou aquela oficina por quarenta anos. Quarenta anos consertando bicicletas para pessoas que não tinham condições de pagar concessionárias. Quarenta anos dando discretamente a crianças de rua como eu um lugar seguro para dormir. Eu não fui o primeiro nem o último.
“Contrate um advogado”, eu disse a ele.
“Não posso comprar um que seja bom o suficiente para vencer a cidade.”
Eu deveria ter me oferecido para pegar o caso naquele momento. Deveria ter voltado dirigindo naquela noite.
Em vez disso, eu disse: “Desculpe, Mike. Estou muito ocupado.”

Duas semanas depois, Snake ligou. Sua voz tremeu.
“Mike se foi”, ele disse.
Meu peito apertou. “O que você quer dizer?”
“Ataque cardíaco. Ele estava muito estressado. Não queria te incomodar.”
Deixei o telefone cair.
Pela primeira vez em anos, voltei para Guadalajara. As persianas da garagem estavam fechadas. Uma coroa de flores estava encostada na porta. Lá dentro, os motociclistas estavam sentados em silêncio, homens rudes com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Eles olharam para mim com algo entre tristeza e raiva.
“Você não estava aqui”, disse Snake.
Eu não tinha defesa.
No funeral, pediram-me para falar. Fiquei diante de um mar de jaquetas de couro e rostos banhados em lágrimas, com a garganta apertada.
“Este homem”, eu disse, “não era meu pai de sangue. Mas ele me salvou quando eu tinha quatorze anos, e ninguém mais o faria. Ele me deu comida, um lar, regras e amor sem nunca pedir nada em troca. Ele me ensinou a trabalhar com as mãos e acreditava que eu podia fazer mais. E eu… eu traí essa fé ao ter vergonha dele.”
Minha voz falhou. “Mas hoje, eu prometo uma coisa: a cidade não apagará o legado dele. Não enquanto eu ainda respirar.”

Já se passaram três meses desde que Mike faleceu. De dia, visto terno e discuto no tribunal. À noite, sento-me em sua antiga cadeira na loja, redigindo recursos, reunindo provas e me preparando para lutar contra a construtora.
Os motociclistas agora me chamam de Licenciado , o advogado.
Mas quando olho no espelho, ainda vejo o garoto assustado de quatorze anos que foi salvo por um homem com barba até o peito e tatuagens nos braços que disse cinco palavras simples:
“Tá com fome, garoto? Entre.”
E desta vez não vou decepcioná-lo.
Observação: Este texto é inspirado em histórias do cotidiano de nossos leitores e escrito por um escritor profissional. Qualquer semelhança com nomes ou locais reais é mera coincidência. Todas as imagens são meramente ilustrativas.
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